O AUTISTA, SEUS AMORES, ESPECTROS E OS ROLÊS
- Jeffaunz

- 29 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de jul.
No último dia 21 de junho, fui convidado — de última hora — para ir ao Castro Festival, uma grande celebração no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Alguém com quem estou saindo me chamou para ir junto com seus amigos. Sabendo da minha condição no espectro do autismo, ele me tranquilizou: ficaríamos no backstage.
Nessas horas, o coração bate diferente. De um lado, a vontade de sair, dançar, curtir artistas que admiro — Urias, Karol Conká, Linn da Quebrada, Ney Matogrosso, Ludmilla… céu aberto, vibrante. Mas do outro, a avalanche interna: música alta, multidão, luzes intensas, mobilidade comprometida no espaço, insegurança sobre a volta, a ausência de um local seguro para regular. Uma lista silenciosa de obstáculos que fazem parte da vida autista.
Passei parte do dia deitado, me preparando mentalmente. Sabia que poderia chegar lá e ficar só 20 minutos (como já fiz muitas vezes). E tudo bem.

Pensei sobre meus relacionamentos anteriores. O primeiro, aos 19 anos, quando era soldado da Polícia do Exército. Tínhamos 26 anos de diferença. Uma pessoa mais velha, que gostava de programas tranquilos: receber amigos em casa, restaurantes, viagens. Isso me trazia muito conforto. Vivemos mais de cinco anos assim.
O segundo foi o oposto: alguém 12 anos mais novo, muito fechado — acredito hoje que também seja neurodivergente, mas é apenas uma intuição. Morava no Sul do Brasil e nos víamos quinzenalmente. Também muito caseiro: uma praia, um barzinho, casa de amigos.
O terceiro relacionamento seguiu outro padrão: 14 anos mais novo, seu primeiro relacionamento. Criamos um vínculo quase familiar, um bálsamo para mim, que nunca havia experimentado certos afetos no seio familiar. Vivemos quase oito anos juntos, num universo paralelo, sem festas ou baladas. A rotina era simples, tranquila, centrada na casa dele, na sua família, nos amigos.
Nos separamos durante a pandemia. Isso me tirou da minha zona segura. Perdi o que chamava de lar e voltei ao meu lar de origem.
Depois da pandemia, solteiro, comecei a me "arriscar" a sair. Com o apoio da minha neuroterapeuta e de amigos que têm um bar no centro de São Paulo, passei a frequentar o local duas ou três vezes por semana. Sempre no mesmo ritual: mesa do lado de fora, fone de ouvido, bebida e observação. O som alto e a luz forte me impediam de ficar dentro. Muita gente me achava “estranho”, de fone em um bar — mas era o que me deixava seguro. Só depois descobri que os fones afastavam possíveis contatos: achavam que eu estava “off”.
A terapia semanal foi intensificada. Trabalhamos minhas habilidades sociais e estratégias de regulação. Aos poucos, fui conseguindo ficar algumas horas sem os fones — naquele bar, com aquelas pessoas. Os donos e garçons sabiam da minha condição. Sempre foram (e ainda são) extremamente cuidadosos e gentis comigo.
Em 2023 conheci alguém especial. Já conversávamos há algum tempo — ele trabalhava fora do Brasil. Em julho, veio ao país. Nos encontramos. Foi paixão imediata. Pouco depois, estávamos morando juntos. Casamos. Ele ainda passava sete meses fora e dois ou três aqui. Quando estava, saíamos pouco. Compartilhávamos muito da casa. Em outubro, encerramos nossa parceria de vida.
Conto tudo isso para dizer que, na minha vida adulta, eu não precisei lidar com festas, festivais, shows. Nunca senti a pressão de “sobreviver” a esses lugares.
Mas, de janeiro para cá, resolvi explorar meus limites. Cansei de reclamar da solidão. Quis desenvolver formas de me autorregular sem depender tanto de medicação — e ter uma vida social mais saudável.
Curti algumas festas no carnaval (bloquinhos ainda são demais para mim, hehe). Estive quase todos os dias no meu bar favorito e me diverti bastante — com os fones sempre no pescoço, em modo de alerta.
E o festival? Foi incrível! Dancei, pulei, beijei. Em alguns momentos, quando sentia que estava chegando ao limite, saía da pista, pegava algo para beber, ia ao banheiro, respirava fundo. Usava técnicas com as mãos, respiração controlada. Discretamente. Porque, infelizmente, ainda não há áreas para neurodivergentes na maioria dos eventos. Como sempre digo: adultos autistas não são visíveis. Não existem. Ou, para muitos, não valem o custo de uma estrutura pensada para eles.
Mas a lição que tirei — e quero dividir — é: dá sim! O TEA não precisa ser uma prisão. Não pode ser justificativa para nos trancarmos em casa (como fiz por anos). Nem para evitarmos o contato social só porque é difícil, ou porque nos gera crises. Trabalhe com seu terapeuta habilidades sociais, formas de adaptação, técnicas de regulação para enfrentar ambientes insalubres.
Se o seu fone, seus óculos escuros (mesmo à noite), tampões auriculares, ou qualquer outra ferramenta de conforto te ajudarem, use-as com orgulho. Não se trata do que os outros vão achar. Trata-se de você. De viver. De aproveitar a vida — do seu jeito — e celebrar os momentos de alegria.



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