Impacto de mais uma noite de insônia 08/09/2025
- Jefferson Campos
- 9 de set.
- 4 min de leitura
Antes de começar a divagar em linhas soltas, sem ordem cronológica, preciso esclarecer: este não é um desabafo, tampouco um texto triste ou depressivo. São fragmentos de sentimentos — confusos, inflexíveis, muitas vezes desconexos. Não falam apenas do autismo e seus transtornos (embora muito digam sobre isso). Falam, sobretudo, da minha forma de existir.
Acredito que sentimentos precisam ser expressos de forma nua e crua. As pessoas têm mania de suavizar dores quando tentam traduzi-las em palavras, e assim tudo se torna falso, deturpado, “típico”.
O que escrevo é sobre o meu “mundo”: a maneira como enxergo, sinto, sorrio, choro e, às vezes, simplesmente ligo o foda-se. Este não é um site de “autoajuda”. É o retrato cru e (in)responsável de viver — no meu caso, sobreviver — com o autismo e com a sucessão de gatilhos, dramas, alegrias e descobertas acumulados em 47 anos.

“– Estou bem, tudo certo! Dormindo? Sim, dormindo bem. A medicação está em dia, obrigado por perguntar. "Essa resposta virou automática. Não é uma mentira dentro da minha interpretação social. Mas também não é inteira verdade. Frequentemente passo dois ou três dias acordado, revirando na cama, maratonando séries cujos finais não lembro, escrevendo, lendo, criando cenários mentais para rotinas que não consigo executar. Nos poucos dias em que durmo, são cochilos breves, reparadores o suficiente. Não me assusta: convivo com isso desde que me entendo como adulto.
Carrego há mais de doze meses a mesma rotina de pânico intenso e esgotamento diário: angústia no peito, gosto amargo na boca, lágrimas represadas nos olhos. Não choro. Ou melhor, não consigo — há anos tornou-se raro, acontecendo apenas em crises, como recurso regulatório, nunca emocional. A mesma música no fone de ouvido há 14 meses: Julho, de Jão (link). Chamo de companhia, mas sei que é stimming auditivo — uma estereotipia que me ancora (saiba mais).
O motivo eu sei. As poucas pessoas próximas também sabem. Durante um tempo, me ajudaram a carregar esse luto. Cada uma à sua maneira. Mas o tempo delas passou. O meu, não. O que era preocupação e cuidado se dissolveu no inevitável: “Ele vai superar”.
E é justo. Cada um tem suas batalhas. Não é obrigação de ninguém vigiar as minhas dores. Para isso pago terapia e psiquiatra: para que, dentro do TEA e das minhas disfunções cognitivas, emocionais e ocupacionais, exista tratamento. Para que eu aprenda a viver dentro do espectro. Mas… e fora dele?
Sou um homem gay, nerd, gamer, metido a escritor, canhoto, autista e TDAH (óbvio, hehe). Ex-militar. Past Mestre Conselheiro DeMolay (saiba mais). Sem vínculos familiares sanguíneos — escolha consciente, libertadora. Pai de Santo e Tata. Síndico do prédio. Quarenta e sete anos nesse mundo dito “típico” (ou será o contrário?). Recém divorciado, vivendo tardiamente o luto da perda do amor da vida. Em processo de entendimento, culpas, punições e, quem sabe, redenção.
Sem diplomas, mas com um emprego sólido em Gestão de TI há 14 anos. Conquistei o que muitos, mesmo com suporte familiar, não alcançaram. Não por mérito isolado — mas porque sobrevivi. Cresci sem núcleo afetuoso, sem incentivo, e isso não é vitimismo: sou o que sou porque aprendi a lutar sozinho, desde a infância, contra o abandono emocional estruturado pelos meus pais.
Aos 42 anos, após uma desilusão amorosa, mergulhei de propósito em um abismo. Queria medir o quanto de vida ainda restava em mim — ou quanto eu ainda desejava. Fiz minhas primeiras tatuagens, coloquei piercings, perdi 60 quilos, permiti-me surtar. Entendi que precisava voltar aos tratamentos psicológicos e psiquiátricos antes que fosse tarde demais.
Foram quase seis meses em uma rotina pesada de medicamentos e terapias. Metade do tempo dopado, metade tomado por raiva, revoltado por ter “perdido” a família que construí e com quem vivi quase nove anos.
Do ex-namorado, que hoje, depois de três anos de afastamento e dos piores sentimentos que já experimentei, se tornou meu melhor amigo. Meu irmão. Minha família. Ora filho, ora pai, ora conselheiro. Sempre abrigo. Quando dói em mim, sei que nele dói em dobro. Quando sorrio, sua felicidade multiplica a minha. Foram quase nove anos perfeitos, protegidos do mundo, em um espaço só nosso. Ele não sabia do autismo, mas era, sem saber, especialista nele. Sabia me proteger, me repreender, me amar como eu era. Acalmava minhas crises mesmo sem nomear o que eram. Esse é o Edgar.

Da mãe dele, que desde o início se tornou a minha. Que me acolheu sem reservas, abrindo as portas da casa e da família. Me mostrou um amor que eu nem sabia que existia: afeto sem julgamento, sem interesse. Minha conselheira, minha parceira, amiga de copo e de vida. Sempre ao meu lado, feroz na defesa, delicada no cuidado. Cada vez que vou à sua casa, insiste em me fazer sentir parte. Comida quente, café, detalhes de mãe. Não me abandona: se preciso estar internado, larga tudo para estar comigo. Minha mãe. Essa é a Dona Nilza.

Da amiga baiana mais intensa e humana que já conheci. Abriu sua casa no meu período mais escuro. Sentava-se no sofá e assistia, aflita, ao meu corpo se contorcendo pelas dores dos medicamentos, ao meu cérebro esgotado por anos sem tratamento, à minha alma ferida pelas perdas e pela marca do abandono que me acompanha desde o útero. Essa amiga é irmã, é colo, é limite. Traz verdades duras, mas carregadas de amor. Essa é a Jaci.

Tenho ainda minha família de fé, o Raízes de Aruanda (saiba mais), que me dá responsabilidade e, ao mesmo tempo, um laboratório vivo de experiências e aprendizados. Com eles cresço a cada sábado.
Outras pessoas também poderiam estar aqui, mas guardo para outros momentos. Hoje, o recorte é dos últimos cinco ou seis anos — tempo em que finalmente me olhei no espelho e aceitei quem eu sou. Acolhi o autismo como parte de mim. Acolhi os escombros da infância, da adolescência e da família de origem. E decidi: não vou mais me negar.




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