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Autismo e o Risco da Violência Sexual

Um tabu urgente e silenciado

Falar sobre a vulnerabilidade de pessoas que vivem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda é um grande tabu. A falta de profissionais preparados, educação sexual acessível e pais e tutores com o devido preparo impede que situações de violência — especialmente sexual — sejam reconhecidas e denunciadas.

Em muitos casos, pessoas autistas não conseguem comunicar o que ocorreu, seja por serem não verbais, por dificuldade de expressão emocional ou por não compreenderem que vivenciaram uma situação abusiva.

Essa é uma realidade que atinge tanto crianças quanto adultos dentro do espectro. As pesquisas sobre o tema começaram a surgir apenas recentemente — e, infelizmente, os números são alarmantes.

Um problema de saúde pública invisibilizado

A violência sexual é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019) como um grave problema de saúde pública, pelas consequências físicas e psicológicas e pela sua ampla incidência.


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Contudo, quando falamos de crianças e adultos neurodivergentes ou com deficiência intelectual, percebemos uma ausência de investimentos públicos, programas específicos e políticas de prevenção. Esse grupo ainda é tratado como invisível nas pautas de financiamento e proteção social.

Pessoas com deficiência — incluindo aquelas com TEA — estão em maior risco de sofrer múltiplas formas de violência, especialmente a sexual. As razões são diversas: dificuldades de comunicação, dependência de cuidadores, isolamento social, preconceito e vulnerabilidade institucional.

Dificuldades adicionais para denunciar

Relatar ou denunciar a violência sexual já é complexo para qualquer vítima. No caso das pessoas com TEA, o desafio é ainda maior devido às especificidades na comunicação e nas relações sociais, que variam conforme o nível de suporte (1, 2 ou 3).

Muitas vítimas autistas não conseguem expressar com clareza o ocorrido, não compreendem as intenções do agressor ou temem não ser acreditadas por familiares e profissionais — o que perpetua o ciclo de silêncio e impunidade.(André; Paredes; Montero, 2021).

Pesquisas e dados alarmantes

Diversas pesquisas internacionais demonstram a dimensão dessa vulnerabilidade:

  • Segundo o grupo Disabled World, nos Estados Unidos, 80% das mulheres e 30% dos homens com deficiência intelectual foram forçados a algum tipo de sexo não consensual em algum momento da vida. Entretanto, apenas 3% desses abusos são denunciados (Parchomiuk, 2022).

  • Fang et al. (2021), em uma meta-análise global sobre violência infantil, apontaram que 1 em cada 10 crianças sofreu violência entre 1990 e 2020. Entre crianças com deficiência, a taxa subiu para 31,7% — mais que o dobro da média.


    Quando observada apenas a violência sexual, a incidência atingiu 19,4%, quase três vezes maior do que entre crianças neurotípicas.

  • Cazalis et al. (2022), em um estudo com mulheres autistas francesas, identificaram que 70% relataram algum tipo de violência sexual — e dois terços foram agredidas pela primeira vez aos 18 anos ou menos. Aquelas abusadas precocemente apresentaram maior risco de revitimização e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

  • Gibbs, Hudson e Pellicano (2023) analisaram 118 adultos autistas e 110 não autistas.


    Os resultados mostraram que 75% dos autistas relataram experiências de violência física, sexual ou assédio, contra 34% dos neurotípicos.


    Quando analisada apenas a violência sexual, 60% dos adultos com TEA relataram algum tipo de abuso — mais que o dobro do grupo de controle (28%).

  • Estudos indicam que pessoas com TEA têm cerca de 16% de risco de sofrer abuso sexual na infância e até 70% na vida adulta.


    O risco entre mulheres autistas é duas a três vezes maior que o das mulheres neurotípicas e quatro vezes maior que o dos homens no espectro (Cazalis et al., 2022).

  • Ohlsso Gotby et al. (2018) destacam que quanto maior o nível de suporte e déficit intelectual, maior o risco de abuso — demonstrando como as características cognitivas e comunicacionais podem aumentar a vulnerabilidade.

Esses dados consolidam uma verdade inegável: a violência sexual contra pessoas com TEA é epidêmica, mas raramente reconhecida como tal.

Por que o risco é maior

Diversos fatores contribuem para o risco ampliado de abuso sexual em pessoas autistas:

  • Dificuldade em interpretar intenções e sinais sociais, o que facilita manipulações e coerção.

  • Educação sexual inadequada ou inexistente, sem adaptações para o público neurodivergente.

  • Isolamento social e dificuldade em formar redes de apoio.

  • Dependência funcional de cuidadores ou profissionais, aumentando o risco de abuso por pessoas conhecidas.

  • Falta de protocolos e de capacitação entre profissionais de saúde, educação e assistência social.

Estima-se que 90% dos abusos sexuais infantis sejam cometidos por alguém conhecido da vítima, o que agrava o cenário para pessoas dependentes de terceiros.

Como abordar a sexualidade e proteger pessoas no espectro

Falar sobre sexualidade com pessoas autistas é essencial — e deve ser feito com cuidado, respeito e acessibilidade.

Boas práticas de abordagem

  • Garanta que a pessoa se sinta segura para conversar sobre o tema, sem julgamentos.

  • Não interrompa nem invalide falas ou dúvidas.

  • Ensine sobre comunicação com parceiros(as): o que gosta, o que não gosta, e como expressar limites.

  • Explique de forma concreta e visual o que é consentimento, respeito e relações saudáveis.

  • Reforce que ninguém tem o direito de tocar sem permissão — mesmo pessoas conhecidas.

  • Mostre como pedir ajuda ou denunciar situações abusivas.

Nem todas as pessoas autistas terão abertura imediata para falar sobre o tema. Por isso, é essencial o acompanhamento de psicólogos e terapeutas especializados em TEA, com abordagem trauma-informada e comunicação adaptada.

Prevenção e resposta: caminhos necessários

  1. Educação sexual acessível e contínua, com materiais visuais e linguagem direta.

  2. Protocolos de segurança e denúncia em escolas, clínicas e instituições.

  3. Capacitação profissional para identificar sinais de abuso em pessoas não verbais.

  4. Acolhimento sem julgamento às vítimas, respeitando limites sensoriais e emocionais.

  5. Rede integrada de apoio (saúde, psicologia, assistência social e jurídica).

A prevenção começa com informação, escuta ativa e respeito à autonomia das pessoas no espectro.

Conclusão

A violência sexual contra pessoas autistas é um tema que precisa sair da invisibilidade. O silêncio, a negligência e a falta de preparo institucional são, eles mesmos, formas de violência.

Falar sobre o assunto é um ato de proteção.Educar é um ato de cuidado.Acolher é um ato de amor e justiça.

Referências

  • Organização Mundial da Saúde (OMS), 2019. Violência Sexual: relatório global sobre saúde pública.

  • André, Paredes & Montero (2021). Comunicação e denúncia de abuso em pessoas com TEA.

  • Parchomiuk, M. (2022). Disabled World – Sexual Abuse and Intellectual Disability.

  • Fang, X. et al. (2021). Global prevalence of violence against children: a systematic review and meta-analysis.

  • Cazalis, E. et al. (2022). Sexual violence and trauma in autistic women: A French survey.

  • Gibbs, Hudson & Pellicano (2023). Violence experiences among autistic and non-autistic adults.

  • Ohlsso Gotby et al. (2018). Autism, intellectual disability and risk of sexual victimization.

 

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Sobre mim

Sou um homem de 47 anos, autodidata, que cresceu sem estrutura famíliar e sem oportunidades de estudo, mas construiu sozinho uma carreira sólida em tecnologia. Vivi décadas dentro do espectro autista sem diagnóstico, sem tratamento e sem medicação. Hoje, acompanhado apenas da minha cachorra, compartilho minhas experiências para transformar dor em aprendizado e ajudar outras pessoas que vivem no TEA a encontrarem caminhos de acolhimento, força e pertencimento.

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